segunda-feira, 2 de agosto de 2010

ARCADE FIRE, «THE SUBURBS»

Os Arcade Fire chegaram depressa ao topo da pirâmide indie (e talvez mesmo do rock geral) com dois álbuns consideravelmente diferentes. Comparar "Funeral" (a estreia de arromba) com "Neon Bible" (o difícil segundo álbum) é o mesmo que sentir a diferença entre um passeio pela Serra do Gerês e uma travessia do Alentejo. "Funeral" é deslumbrantemente alpino e fragmentado, dando-nos os mais variados cenários a cada curva e contracurva; "Neon Bible" é mais plano, com cada música a reproduzir a mesma paisagem do início ao fim - excepção a 'Black Wave/Bad Vibrations', o 'A Day in the Life' dos Arcade Fire, que sofre a meio um corte abrupto do tamanho de um eclipse solar total.

Sem que, aparentemente, o novo álbum "The Suburbs" tenha a mesma mina de oiro de "Funeral" ou, até, de "Neon Bible", os Arcade Fire dão a volta de outra maneira, apostando numa maior magnitude, tornando-se ainda mais hercúleos do que já eram. O ideal épico do grupo encontra plataforma num álbum mais duradoiro (16 faixas), mais difícil; e, contrariando os ditados populares, a quantidade leva-os a uma maior qualidade.

À superficície do enorme recheio de "The Suburbs" está uma energia adolescente ainda imaculada que dá a sensação de que os vários anos de sucesso e de vida mais adulta ainda não amoleceram os Arcade Fire - como 'Ready to Start', 'Modern Man', 'Empty Room' ou 'Month of May' ilustram. E há a ilusão deste ser um álbum mais eletropop que os demais, graças a maravilhas como 'Ready to Start' ou a penúltima faixa 'Sprawl II (Mountains Beyond Mountains)' que aproxima Régine Chassagne cada vez mais a Jill Birt, a menina dos teclados dos Triffids que também fazia vozes.


Mas por trás da superfície e da ilusão, "The Suburbs" é, na substância, um álbum de baladas, talvez o grande álbum de baladas dos Arcade Fire. O tom do disco é mais contemplativo e cinematográfico, com o fantasma intermitente de Bruce Springsteen à flor da pele. Com maior ou menor dramatismo barroco, 'Rococo', 'Half Light I', 'Wasted Hours' ou 'Deep Blue' (podemos citar mais) são músicas ternurentas que fazem a diferença: em qualquer contexto, em qualquer discografia.

Outro dado agradável reside na orgânica do grupo, onde a liderança de Win Butler, sempre muito espiritual, dá espaço em três ou quatro músicas para a sua companheira Régine Chassagne fazer sobressair as suas tropelias. Claro que "The Suburbs" tira partido destes momentos de feminilidade, invertendo-se aquela lógica sufocante de comandos tirânicos que condenam bandas de eleição (como os Pixies ou os Smashing Pumpkins) a prazos curtos de vida.

«Uma mistura entre Depeche Mode e Neil Young», é assim que os autores definem o novo álbum. De corpo sonoro pop-rockeiro, a alma do grupo parece procurar em fundo outra coisa, algo mais folk e, quem sabe, mais country... Os Arcade Fire acabam de dar um grande passo adiante e já vêem o futuro à frente. (Merge, 2010)


Artigo publicado no Cotonete que pode ler aqui.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Reportagem em Benicàssim: post-scriptum


O Festival Internacional de Benicàssim (FIB) é internacionalíssimo: grande parte da massa festivaleira é britânica. Junta-se o conceito veraneante de praias e piscinas à paixão pela música e à disposição festivaleira, e isso também explica a adesão numerosa de forasteiros.

Apesar da presença de um total de 150 mil festivaleiros nos quatro dias, o conforto é jamais posto em causa. É a tranquilidade da estância balnear que se projecta no conceito do festival e não o contrário. A avalancha de pessoas dissipa-se no calcorreamento pela cidade de Benicássim: não há restaurantes, nem praias sobrelotadas; não há engarrafamentos, nem ruas atafulhadas de carros. E no entanto o recinto está colado à maneirinha terra, fazendo do conceito veraneante do FIB uma realidade: das praias ao recinto do mega-evento são necessários pouco mais que 10 minutos a pé; e, a meio do trajecto, há as numerosas piscinas de hóteis, cujos relvados limítrofes estão povoados por festivaleiros de pulseirinhas a dormirem as sestas ou a beberem refrescos depois dos agradáveis banhos.

Por isso, não surpreende que o festivaleiro do FIB ande de calções de banho e tronco nu ou de biquini, mesmo a altas horas da madrugada - estiveram temperaturas quentes e noites tropicais durante os quatro dias do festival. A informalidade prolonga-se à menor austeridade numa série de pormenores: pessoas concentradas num monte fora do recinto que dava visibilidade para o palco principal sem que as autoridades interviessem; fácil acesso dos jornalistas ao backstage dos artistas; umas quantas espreguiçadeiras e até uma piscina na zona VIP.

O cenário que rodeava o recinto era deslumbrante, ao lado de montanhas lindísssimas (semelhantes às que se vêem na Califórnia); e com o mar muito azul do outro lado do horizonte. E o próprio piso era simpático para quem andava de havaianas ou com outro tipo de sandálias: várias zonas de terra de areia escura e de pedrinhas; largas porções de relvado; algum trajectos em alcatrão; nada de pó.

O ambiente de Benicàssim é mais festivo do que estamos habituados. Há uma exuberância maior dos festivaleiros (e até algum exibicionismo.. vários homens nus a erguerem-se no meio da multidão e, pelo que vimos, uma mulher de peito desnudado à frente de um dos palcos). A atitude chega a ser carnavalesca, com muitas pessoas literalmente mascaradas: toureiros, super-heróis, dois amigos com o equipamento completo da selecção espanhola (da camisola vermelha às botas) e muita gente pintada ou maquilhada. No entanto, há também um excesso de consumo de álcool e de drogas (mais que em Portugal), muitas gente KO prematuramente (muito mais que em Portugal) e, nos casos mais extremos, consumo à descarada de cocaína.

A nível de comércio dentro do recinto, é possível encontrar as barraquinhas de comes e bebes tradicionais que desapareceram há anos dos recintos dos nossos maiores festivais: as mais espanholas vendiam espetadas, paelhas ou bebidas de cidra locais; uma argentina tinha a boa carne do país; outra banca era mais especializada em bebidas latino-americanas como os cubanos mujitos; mas havia mais.

O FIB aconteceu no fim-de-semana seguinte ao da consagração da selecção espanhola como campeã mundial. E por essa razão, não faltou quem desse os parabéns, como os americanos Julian Casablancas e os Vampire Weekend, e os britânicos Mumford & Sons, Ian McCulloch (dos Echo & The Bunnymen) e Damon Albarn (dos Gorillaz).

Para o ano, há mais. É o que devem desejar todos os festivaleiros do FIB. Percebemos porquê.



Fotos: Joana Baptista
Artigo publicado no site Cotonete.

Reportagem em Benicàssim: quarto e último dia


O Festival Internacional de Benicàssim (FIB) - que tão bem faz do banhista um melómano e vice-versa - encerrou ontem com o espectáculo poderoso dos Gorillaz, sob a aura da megalomania de um concerto que podia ser de estádio. Muita coisa mudou no conceito ao vivo do projecto de Damon Albarn desde a única passagem dos Gorillaz por Portugal (em 2002). Os músicos já não se escondem por trás de um enorme pano gigante transformado em ecrã; expõem-se hoje tanto como qualquer outra banda; e a banda desenhada de 3D, Murdoc e companhia já não é o exclusivo dos clips do ecrã gigante agora alojado alguns metros acima dos instrumentistas.


Damon Albarn (na foto) está bem mais humilde que aquele Damon Albarn ao serviço dos Blur da fase áurea do brit-pop. É ele o simpático (!) comandante deste filme musical tão caro, saltando várias vezes dos teclados para a zona da frente do palco, pulando, rappando, cantando e espalhando água para cima da multidão. Ainda por cima, pode, através dos Gorillaz, comprar a história: tem na sua banda ao vivo os ex-membros dos Clash, Mick Jones (na guitarra) e Paul Simonon (no baixo); e conta com os préstimos vocais da lenda de soul/blues Bobby Womack. Torna-se também num mecenas que aposta em talentos mais desconhecidos como a cantora nipo-sueca Yukimi Nagano (dos Little Dragon).

O espectáculo dos Gorillaz no FIB é um carrossel multicultural. Tanto pode projectar imagens da dança de ventre arábica, caracteres japoneses ou o clip oficial de Stylo que tem Bruce Willis como protagonista de uma perseguição de carros com os companheiros de Murdoc. Tanto passa por duelos entre rappers (com Damon Albarn sempre com uma palavra a dizer), como pela balada mais ambiental à Brian Eno (On a Melancholy Hill) ou mais bluesy (Cloud of Unknowing)... Sempre com a palavra festa na mira. Este foi o maior e um dos melhores concertos do festival.


O antecessor dos Gorillaz no palco principal (Escenario Verde) foi Dizzee Rascal, que continua um rapper velocista (talvez mesmo um recordista do Guiness nesse campo). Com uma camisola e um chapéu (com pala para trás) dos Los Angeles Lakers, pode já não ter a autenticidade revolucionária de há cerca de cinco anos. Mas Rascal prova ser mais que o cromo nº1 do grime; pode também ser um ídolo de festival no palco maior. Noutro palco, os Echo & The Bunnymen iam galgando pelo seu historial de pós-punk poético - ­Seven Seas, The Killing Moon ou The Cutter foram tocadas. Nem mesmo o ar veraneante de Benicàssim convence Ian McCulloch a prescindir do seu ar invernoso, envergando um comprido casaco e exibindo aquele ar soturno de óculos escuros e cigarro na mão que é um bónus charmoso a uma colheita cancioneira que continua a ser memorável. Mas será que os Echo & The Bunnymen já deixaram de acreditar nas suas canções mais recentes?, é a pergunta que esta actuação levanta.

Algum tempo antes, no mesmo palco secundário (Escenario Fiberfib.com), os Foals impressionaram com um indie-rock que é uma metralhadora de acordes de guitarra múltiplos num curto espaço de tempo que, quando acalma, roça o ambiente de dream-pop dos Sigur Rós.

«Olá, sou a Ellie Goulding; temo não chamar-me Lily Allen». Foi assim que Ellie Goulding brincou com a promoção em cima da hora para substituir Allen (de baixa por motivos de doença) no palco principal. Não acusou a responsabilidade; também gosta de ter um bombo de bateria junto ao microfone para aumentar o dramatismo da perfomance. Mas parece uma intérprete de um folk-pop sucedâneo, algures entre Florence and the Machine e The Corrs.

Foto: Joana Baptista
Artigo publicado no Cotonete.

Reportagem em Benicàssim: terceiro dia

O sábado esteve entregue às grandes lendas britânicas do passado, mesmo que oriundas de períodos diferentes: The Specials, PIL, Ian Brown (na foto), Prodigy. E lendas do passado é o que se poderia também chamar aos Ash que foram o primeiro nome forte do dia. Com uma actuação enérgica (dir-se-ia esforçada), agraciada por hinos dos anos 90 como Oh Yeah e Girl from Mars que fizeram deles uma alternativa mais rockeira ao britpop, os Ash parecem numa luta perdida contra o tempo. A crise de crescimento e a inexistência de qualquer mudança pouco lhes dá mais ao fim destes anos todos que a irrelevância de uma actuação vespertina que passou despercebida. Com o tempo de hoje a seu favor estão os Cribs que logo a seguir, num dos palcos secundários, aproveitaram a onda de entusiasmo em relação ao seu último álbum Ignore the Ignorant para agitar a maré de gente com o seu rock pós-punk assente nalgum classicismo - e, recorde-se, com o guitarrista ex-Smiths Johnny Marr na formação.

Quem não esteve à altura da adesão popular foram os Specials que, contrariando a disposição festiva e dançante da multidão, nos deram uma actuação morna mesmo que pontuada por temas populares como Monkey Man e A Message to You Rudy. A disposição desinteressada do principal vocalista destes dinossauros do ska, Terry Hall, retira consistência a um concerto que se queria de espírito anímico. A inexistência de encore (e havia condições para tal), e do pedido Ghost Town, é o final desajeitado de um concerto que devia ter sido melhor. O verdadeiro Monkey Man foi mesmo Ian Brown que se mantém fiel aos seus gestos símios e ao fotogénico levantamento no ar da sua pandeireta numa bonita imagem de auto-glorificação. Como acontecia nos Stone Roses, o hino I Wanna Be Adored abriu o concerto (tocado em câmara lenta, tal como aconteceu na actuação desastrosa da extinta banda em Vilar de Mouros). Depois bastou picar nos mais electrónicos temas a solo para provar que, das lendas da noite de ontem, o pouco saudosista Ian Brown é quem está em melhor forma no novo milénio.

«Ali está a feira dos tolos», aponta John Lydon para o que se está a passar no concerto dos Prodigy. Três músicas mais tarde, novo missil para as estrelas do palco principal: «há um estranho ambiente no ar, deve ser aquela porcaria ali ao fundo. Os falsos lá vão aparecendo e imitando». O pouco ortodoxo vocalista dos Public Image Ltd (e dos Sex Pistols) continua com a língua solta. Esse mau feitio continua a ser o nervo que faz dele uma autêntica fera enquanto performer, movimentando-se freneticamente na zona do microfone, e incendiando uma actuação que, mesmo que nostálgica, ilustra o poderio mono-rítmico pós-punk e obstinado dos PIL (na mesma linha de uns Wire). Os Prodigy lá iam dando a razão a John Lydon, com o seu circo de techno-punk que cristalizou há mais de 10 anos nos mesmos movimentos, nas mesmas provocações e nos mesmos temas. A verdade é que a maior moldura humana do festival foi mesmo para o colectivo do excêntrico dançarino das cristas Keith Flint.


Já com a madrugada adiantada, o electro-pop veraneante da canção Lights & Music assenta que nem uma luva no ambiente do festival e ajudou a projectar o concerto dos Cut Copy desde o início para a celebração, mesmo que ao vivo percam demasiado a perfeição de estúdio. E, noutro ponto, os mascarados Klaxons souberam encerrar muito bem o programa do palco principal com um synth-rock pouco dado a revisionismos estéticos.

Artigo publicado no site Cotonete.

Reportagem em Benicàssim: segundo dia

O segundo dia do Festival Internacional de Benicàssim correu, e bem, ao sabor do electro-pop. E nesse campo houve um grupo que se distinguiu: os Hot Chip. Ao contrário do que é apanágio dentro do nicho, o colectivo londrino nega qualquer compromisso desenvergonhado com os anos 80. Através de uma performance muito dançada, e com todos os seus membros a distribuirem-se numa placa giratória multi-instrumentista, os Hot Chip empunharam os seus temas mais célebres, num cruzamento neo-milenar improvável entre Kraftwerk e Gang of Four (embora a milhas de ambos, a milhas de tudo). Mostraram serviço notável, mesmo que com a concorrência de alguns exibicionistas nus que se erguiam acima do imenso mar de cabeças da assistência.


Antes, também pelo palco principal (Escenario Verde), esteve Julian Casablancas, com uma banda mais numerosa que os seus Strokes (o vocalista está a ser acompanhado por mais seis instrumentistas). Quem o vir no Meco, pode esperar dele uma actuação que vai incluir temas dos Strokes (ouviram-se ontem Reptilia ou Modern Age, entre outros) que não colidem com o formato synth-pop da colheita a solo do álbum Phrazes for the Young que está agora a apresentar. Com um visual de pequenas excentricidades (da madeixa de cabelo oxigenada à unha da mão pintada), Julian Casablancas gracejou com o facto de não falar nada de castelhano, mesmo tendo dois nomes espanhóis (J. Fernando Casablancas). Foi o vocalista nova-iorquino que deu origem à primeira grande mobilização de massas, ao início da noite.

Também em bom plano, e igualmente sob o signo do eletro-pop, estiveram os Goldfrapp num dos palcos secundários (o Escenario Fiberfib.com). A ventoinha do palco simulava um vento que não existia (a noite foi outra vez quente e dispensou camisolas de manga comprida) e levantava no ar o vestido curto e prateado de Alison Goldfrapp, e o ambiente era o de uma viagem aos anos 80 à bruta. Com um alinhamento em regime best of, sobretudo dos últimos tempos (lados-A como Believer, Alive ou Rocket foram escutados), o toque kitsch e abbesco da banda inglesa caiu bem no festival.

Mas o momento de glória do segundo dia coube aos Vampire Weekend (na foto), no Escenario Verde. A cada tema - Cape Cod Kwassa Kwassa, Cousins, A-Punk, Diplomat's Son, Oxford Comma, Horchata (refresco que abunda muito nesta região) ou Mansard Roof - os Vampire Weekend ligavam o turbo e punham a entusiasta multidão a dançar freneticamente. O mexido vocalista Ezra Koenig, que tinha a guitarra viciada nos acordes afro que lembram o Mali (excepção ao electrónico Giving Up the Gun), foi o porta-voz de uma banda que está a marcar uma época e que está a conseguir dar o salto para um estatuto de popularidade maior.

Notas elogiosas ainda para a actuação sob sol arrasador do cantautor irlandês Fionn Regan (e para as suas virtudes folk dylanescas), para a adesão dos muitos festivaleiros britânicos em torno dos ascendentes Mumford & Sons (que seguem a melhor tradição da folk inglesa) e para o DJ set de DJ Shadow já a madrugada ia avançada (que mereceu um ecrã em forma de esfera e o melhor do hip hop instrumental).

Artigo publicado no site Cotonete.

Reportagem em Benicàssim: primeiro dia

O festival britânico mais a sul não é afinal na Ilha de Wight mas sim na Comunidade Valenciana, em Espanha. O FIB [Festival Internacional de Benicàssim] Heineken passa praticamente por um festival de britânicos: quer a nível de festivaleiros (claramente em maioria), quer a nível de cartaz (pensado para o gosto dos habitantes da ilha de Sua Majestade), quer agora na organização (que passou pela primeira vez para mãos inglesas).

O festival respira o ambiente veraneante de uma estância balnear como nenhum outro festival em Portugal. O recinto está localizado mesmo junto à povoação -­ do centro de Benicàssim até ao festival bastam 10 minutos a pé. Os festivaleiros ocupam as centenas de piscinas e as agradabilíssimas praias da zona. Mas nem assim o ambiente de serenidade e de conforto da pequena cidade é posto em causa pela moldura humana que enche o recinto uns metros mais acima, junto às deslumbrantes montanhas.

No primeiro dia do festival, o grande nome histórico era sem dúvida Ray Davies, o cérebro dos ingleses Kinks e um dos mais importantes compositores pop-rock dos anos 60. Os clássicos que foi tocando como o rebelde 'You Really Got Me' (que colocou os Kinks imediatamente na ribalta) e o popular 'Lola' mereceram a vénia histórica de uma multidão de compatriotas verdadeiramente transgeracional. A sonoridade da sua exímia banda enquadra Ray Davies muito próximo de Bob Dylan e de Van Morrison (o que não é surpresa) mas percebe-se também através deste concerto que os seus temas mais agrestes foram o prenúncio do punk mais de 10 anos antes.


Mas os mais festejados foram os Kasabian (na foto), que ocuparam o palco principal (Escenario Verde) depois do ex-Kinks. Sem necessitarem de recorrer a discursos inflamados à volta da selecção espanhola campeã mundial de futebol (apesar de publicamente aclamados pelo jogador decisivo Iniesta), os Kasabian injectaram alegria entre o povo com alguns dos seus maiores hinos [como 'Fire' e 'L.S.F. (Lost Souls Forever)'] e com o poderio do seu brit-rock que, quando investe em arranjos mais electrónicos, chega a lembrar a transcendência dos Death in Vegas.

Mas muitos outros actos impressionaram. Sobretudo os Dirty Projectors, que num dos palcos secundários, trouxeram de Brooklyn (Nova Iorque) os benefícios criativos de uma ingenuidade de quem parece estar a descobrir novos sons naquele preciso momento. As guitarras exploratórias do grupo, que vão do lado ensaístico dos Sonic Youth ao bicho carpinteiro dos Vampire Weekend, as danças da teclista Angel Deradoorian e a sincronização entre as três vozes femininas e a masculina num plataforma dessincronizada com a convenção são factores que causam sensação. Para os Dirty Projectors, a canção é um projecto sempre em aberto.


Os Broken Bells (do multi-instrumentista Danger Mouse, dos Gnarls Barkley) fecharam o palco principal com um concerto iniciado às três da madrugada (normal em Espanha), e mostraram o peso orelhudo de uma das melhores colecções de canções do ano, inscritas no seu álbum homónimo. Além do entusiasmo que provocaram entre a populaça (já menos numerosa), 'The Ghost Inside' e 'The High Road' são temas que podem fazer vender anúncios.

Artigo publicado no site Cotonete.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

EXCITAÇÃO DA SEMANA: MGMT, «CONGRATULATIONS»

Ao segundo álbum, "Congratulations", os MGMT resolveram complicar. E ainda bem.


Quando apareceram ao mundo com o longo de estreia "Oracular Spectacular", foram inseridos no viveiro criativo de Brooklyn, em Nova Iorque. Mas foi logo perceptível que os MGMT eram maiores que todos os seus vizinhos. O primeiro álbum é uma das mais mágicas colecções de canções dos últimos anos, com um electro-psicadelismo arrebatador mas também prático e instantâneo - e é aí que reside o génio que os distingue dos seus contemporâneos e conterrâneos.


'Kids', 'Time to Pretend' ou 'Electric Feel' são canções com as artimanhas fascinantes de uma sedução imediata a estranhos, mas também com o carácter e a profundidade que sustenta depois uma longa relação. É por isso que "Oracular Spectacular" é um álbum quase perfeito, tão imediato quanto mediato.


Agora, vem aí "Congratulations". Mantém-se aquela imagem freak, com uns trapos em cima, dos multi-instrumentistas Andrew VanWyngarden (o vocalista) e Ben Martin Goldwasser - as duas cabeças do projecto. Eles continuam uns hippies quase despidos com sintetizadores debaixo dos braços, unindo numa só foto e em meia-dúzia de músicas o naturalismo sessentista com o retrofuturismo.


Mas musicalmente, os MGMT mudaram. Pisam mais o risco, desviando-se dos ares gloriosos e mais óbvios à Rolling Stones da fase áurea (uma das matrizes de "Oracular Spectacular" presente nalgumas baladas mais acústicas), para uma bizarria mais vanguardista próxima do psicadelismo mais estrambólico dos Red Krayola. Apesar da sua tendência transgressora, os MGMT não abusam tanto da faceta lunática dos Flaming Lips, sabendo a dupla nova-iorquina descobrir no meio da desbunda aventureira o norte de refrões orelhudos à Beatles/The Animals e um contacto com a Terra de que, por vezes, a banda de Wayne Coyne se esquece.

Nos seus vários serpenteados, sente-se em "Congratulations" um espírito epicamente optimista, com coros ameninados dotados da mesma euforia de uns Polyphonic Spree ou de uns Arcade Fire, como bem ilustra o final grandioso do single principal, 'Flash Delirium' - um falso tosco que vai crescendo como todo o resto do álbum - ou da faixa seguinte, o poderoso 'I Found a Whistle'.


A juntar a tudo isto, e aos falsetes de Andrew VanWyngarden que picam o imaginário glam, os MGMT encontraram a sua Ilíada de Homero no espaço de uma canção: ela chama-se 'Siberian Breaks' e é uma trip electropsicadélica de 12 minutos feitas de pedaços de melodias diferentes e de viragens de 180 graus que lançam a luz ao ouvinte sobre a magnitude de "Congratulations".


O brilho do novo álbum pode não ser tão flagrante quanto o de "Oracular Spectacular". Mas os MGMT acabam de mostrar que, musicalmente, as mudanças colhem mais benefícios que vicissitudes.

Está concluída a 2ª inscrição dos MGMT no crème de la crème da pop-rock. (Sony/Columbia, 2010)

Texto publicado no Cotonete.

sábado, 13 de março de 2010

EXCITAÇÃO DA SEMANA: JOANNA NEWSOM, «HAVE ONE ON ME»

Joanna Newsom é, provavelmente, a artista pop mais erudita dos nossos tempos e o mais imprevisível cromo indie da caderneta deste milénio. Apareceu por volta de 2004 no meio da rede freak-folk comandada por Devendra Banhart, mas cedo se destacou como a exótica daquele gangue. Ela era afinal a bela princesa que tinha como objecto predilecto a pouco pop harpa. Newsom parecia saída de um livro de contos ilustrado, nunca de uma cena de rock barbudo.

Vinda de um mundo intemporal, Joanna Newsom especializou-se numa folk naturalista, com voz aguda de sereia intocável e direito a exclusividade estética. Quando apareceu deslumbrante, com o álbum "The Milk-Eyed Mender" (2004), as suas canções ainda encontraram encaixe nos formatos médios da bizarria indie, numa altura em que as suas músicas só tinham ainda 4 minutos para respirar.

Depois, em "Ys" (2006), Joanna Newsom desfez-se do cronómetro para poder explorar com mais à-vontade toda a sua erudição em hérculeas músicas que chegavam a ultrapassar o quarto de hora. Mais uma missão cumprida.

Para "Have One on Me", Joanna Newsom, com uma disciplina de oriental, fez uma terapia para alterar a voz: durante dois meses não pôde falar, cantar ou chorar. Submeteu-se a uma espécie de Quaresma austera para músico.

Este álbum triplo é uma síntese entre a simplicidade do primeiro longo e a maior elaboração do segundo, como se Kate Bush tivesse tido formação clássica de conservatório e se tivesse interessado por música barroca. É mais ou menos esta a Joanna Newsom que temos no novo disco. Alguém que estica a terra americana até à britânica, apresentando a folk apalache à folk inglesa rural das irmãs Shirley and Dolly Collins. Só que com harpa e a sua voz plurigutural.

Esta belo ex-modelo da Armani, de apenas 28 anos, tem a determinação dos grandes. E está cada vez maior. (Drag City, 2010)

Pode ler aqui artigo desenvolvido no Cotonete.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

EXCITAÇÃO DA SEMANA: MIDLAKE, «THE COURAGE OF OTHERS»


Da matéria indie dos anos 1990, passando pela folk-rock dos anos 1960/70 até ao medievalismo folk, "The Courage of Others" é uma tabela cronológica com quase mil anos de extensão.

Os Midlake têm a meiguice indie-pop dos injustamente esquecidos Wheat (anos 1990) e o charme rupestre dos rockers Moody Blues (anos 1960/70), com aquele jeito para harmonizar flautas num mundo eléctrico rodeado por guitarras, ao mesmo tempo que se ouvem ecos de um passado que nenhum de nós viveu: uns acordes teclados mais barrocos, um refinamento de música antiga, ou a alma da folk antes desta ter nome.

Mas de "The Trials of Van Occupanther" (de 2006) para "The Courage of Others", há mudanças consideráveis. "The Trials of Van Occupanther" era um álbum de instrumentos teclados: muito piano, alguns sintetizadores e uma brisa exótica de anos 80 no meio daqueles ares freak. "The Courage of Others" é um álbum de instrumentos de cordas à vista desarmada: uma muralha maior de guitarras acústicas e eléctricas, e os Fairport Convention mais por perto (e restante vaga da folk-rock britânica do final dos anos 60).

As novas canções não se fazem valer tanto por si mesmas. São mais anónimas do que as de "The Trials of Van Occupanther", sacrificam mais o destaque individual em função da coerência de um todo composto por 11 canções. (Bella Union, 2010)

Pode ler aqui artigo desenvolvido no Cotonete.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

EXCITAÇÃO DA SEMANA: BEACH HOUSE, «TEEN DREAM»

Os Beach House conseguem repetir os mesmos truques da sua magia espiritual sem se repetirem. A guitarra de Alex Scally, que tem feitiço, elege um acorde por canção, e usa-o até à exaustão. E, seguindo a mesma economia de meios, a caixa de ritmos não sai da mesma programação ao longo de cada tema.

O som do teclado parece que está em fade out desde o início da canção, mas nós gostamos dessa despedida infinita, como se o som pudesse ter a eternidade fixa de uma fotografia. A bateria volta a ser o objecto menos manuseado do espaço. E a voz hermafrodita de Victoria Legrand mistura inocência com austeridade, e pede direito a ocasião religiosa. Pedido aceite, claro.

Qual é então a grande novidade de "Teen Dream" que não essa multiplicação luxuosa dos mesmos dons sempre com resultados entusiasmantes? Pois bem, os Beach House traíram o nome e afastaram-se da costa para uma floresta mais densa, onde se encontra o som lenhador dos freakadélicos Fleet Foxes. Não se sabe se houve algum transplante das cordas vocais de Robin Pecknold dos Fleet Foxes para a garganta de Victoria Legrand mas, pelo menos, as harmonias vocais tornaram-se espelhos um do outro, para proveito autoral dos Beach House.

A dezena de canções de "Teen Dream" impõe, de facto, respeito. 'Norway', 'Used To Be' e 'Take Care' ganham passe vitalício para entrarem na nossa frágil memória. Devagar se volta a ir longe. (Sub Pop, 2010)


Pode ler aqui artigo desenvolvido no Cotonete.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

EXCITAÇÃO DA SEMANA: LAURA VEIRS, «JULY FLAME»


A benção de Laura Veirs tem sido a sua belíssima voz. A raridade da virtude vocal não tem sempre que ver com a sua amplitude (de soprano, meio-soprano, contralto, o que seja). E a preciosidade da voz de Veirs é a sua doçura.

Na nova colheita, Laura Veirs não só mantém os seus grandes talentos, como os aprimora. "July Flame" recebeu as influências da mudança de Laura Veirs de Seattle para Portland. Há uma maior presença de elementos da natureza nas letras meigas e sensíveis de Laura Veirs. O próprio título é uma designação de um tipo de pêssego que embeveceu a cantora num ida ao mercado. E a dedicação de Laura Veirs à composição das canções de "July Flame" (de 80 canções novas, a artista elegeu 13 para o disco) implicou meses a fio de cortinas fechadas na sala da sua casa, o que mereceu a desconfiança da nova vizinhança, em Portland.

A meninice que resistiu no intelecto (muito) adulto de Veirs está integralmente na sua música. De forma esmagadora. E também neste seu sétimo álbum, "July Flame". O dedilhar da guitarra acústica e do banjo são leves, cada apontamento ao piano e nos sintetizadores é telegráfico, o violoncelo evita ser invasivo e os corinhos têm uma simplicidade minimal. É tudo muito puro e poético.

É difícil dizer que "July Flame" é o melhor disco da cantora norte-americana (talvez seja, mas há discos rivais a ter em conta como "Carbon Glacier", de 2004). Mas é fácil afirmar que este é um dos primeiros grandes álbuns de 2010. Irresistível. (Bella Union, 2010)



Pode ler artigo desenvolvido no Cotonete.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

EXCITAÇÃO DA SEMANA: EELS, «END TIMES»


A música tem sido uma luz ao fundo do túnel para E, líder dos Eels. O estado de alma de E é o próprio fundo do túnel.

Afectivamente, Mark Oliver Everett (o nome civil de E) tem habitado piso sísmico abalado por tremores de terra de grande magnitude e de demasiada regularidade. A estrutura de E guardou-se exclusivamente para as suas canções. E nesse campo Mark Oliver Everett é um felizardo. Musicalmente, E é membro de uma classe média abonada. Como uma criança que recebe os conjuntos de Playmobil mais caros, E é um prendado pelo seu dom de sobredotado para a melodia pop. Oliver Everett é da elite, e os Eels, por arrastamento, também.

O estado anímico deprimido reflecte-se na voz amarga de E, as letras sobre separações conjugais e envelhecimento são também uma angústia, mas as brilhantes melodias dos Eels, qual varinha mágica, tudo elevam e salvam para um filme duro mas também fascinante e rico em fantasia. É assim o novo e oitavo álbum do grupo, "End Times".

O disco que merece esta prosa foi gravado em quatro pistas e publicado apenas sete meses depois do anterior "Hombre Lobo", o que elucida bem sobre a alta produtividade de Mark Oliver Everett. O cantor mantém aquele ar de patinho feio de quem acha que o mundo lhe deve alguma coisa, mas, em retorno, despeja boas canções como quem diz bom dia.

De belas instrospecções com almofadadinha pop (como o arrepiante desabafo de 'I Need a Mother') a temas ao estilo oldie do rock & roll (como 'Paradise Blues'), os Eels sabem experimentar de tudo.

Quando os Eels apareceram em meados dos anos 90, eram uma injecção criativa de pop-rock indie, electronicamente engenhosa, que rivalizava com Beck em alta. Hoje, os Eels são uma banda mais orgânica e física que mantém o estilo simultaneamente açurado e soturno cuja propriedade foi comprada com o seu mérito autoral. (Vagrant, 2010)

Pode ler aqui artigo desenvolvido no Cotonete.

sábado, 2 de janeiro de 2010

MELHORES CONCERTOS DE 2009


Dos que pude ver...

1º Patrick Watson no Super Bock em Stock

2º Wild Beasts no Super Bock em Stock

3º Seun Kuti no CCB

4º OqueStrada no Delta Tejo

5º Hadouken! no Alive!

6º JP Simões no Jardim de Inverno do Teatro S. Luiz

7º The Invisible no Super Bock em Stock

8º Fischerspooner no Alive!

9º Sara Tavares no Delta Tejo

10º My Bloody Valentine no Rock One

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

MELHORES ÁLBUNS NACIONAIS DE 2009

1º OqueStrada – Tasca Beat


2º Carminho – Fado

3º Micro Audio Waves - Zoetrope

4º JP Simões - Boato

5º Tó Trips - Guitarra 66

6º João Coração - Muda Que Muda

7º Sean Riley & The Slowriders - Only Time Will Tell

8º La La La Ressonance - Outdoor

9º Ana Moura – Leva-Me aos Fados

10º Mazgani - Tell the People