domingo, 31 de maio de 2009

EXCITAÇÃO DA SEMANA: IGGY POP, «PRÉLIMINAIRES»


Sem grandes recursos humanos e sem se alongar muito (o álbum mal ultrapassa a meia-hora), Iggy Pop faz uma obra abrangente e coerentemente conexa, mostrando que há muito mais no seu mundo que o rock & roll e o frenesim. Há também meditação filosófica e um pouco de calma.

Inspirado pelo livro de Michel Houellebecq, "La Possibilité d'une île", Iggy Pop consegue converter-se num homem de standards de jazz ao estilo clássico de Nova Orleães ('King of the Dogs'), num romântico da chanson française ao estilo pop do Serge Gainsbourg dos anos 80 (na versão do clássico 'Les Feuilles Mortes'), num músico de blues de rua à antiga ('He's Dead/She's Alive'), num experimentalista ambiental avant-garde ('Party Time'), num renovador da bossanova (na versão de Jobim, 'How Insensitive') e até num rock & roller que ainda não vendeu os seus cavalos de corrida ('She's a Business'), sem nunca ser paradoxal. Os ares afrancesados (e fumegantes) de 'Préliminaires' e o maior espaçamento da música da Iguana dão uma unidade exemplar a este livro de vários estilos.

Iggy Pop mostra assim uma nova vida e renasce. (Astralwerks/Virgin, 2009)

Pode ler artigo desenvolvido no Cotonete.

sexta-feira, 29 de maio de 2009

OS 100 MELHORES ÁLBUNS DOS ANOS 90

Em notas meramente pessoais e em mini-sinopses.
96º Super Furry Animals – Guerrilla (Flydaddy, 1999)
Talvez o mundo se tenha inclinado demasiado para OK Computer dos Radiohead, devorando-o e gastando-o, desguarnecendo maravilhas como Guerrilla destes simpáticos galeses. Neste álbum, e sobretudo na cabeça do líder Gruff Rhys, está o ponto de equilíbrio perfeito entre a criança e o adulto, extraindo-se o melhor de cada: a criatividade selvagem e a progressão intelectual, respectivamente.
Mas psicadelismo e electrónica com salsa talvez seja uma degustação demasiado estranha para o mundo lhe dar o devido valor.
3 músicas a ouvir: “Some Things Come from Nothing”, “Do or Die” e “Night Vision”.

95º Cat Power – What Would the Community Think (Matador, 1996)
Por vezes, sente-se mais prazer num momento que adivinha outro momento maior do que o próprio momento maior. Preferir a escalada ascendente ao cume faz até imenso sentido, mais ainda se pensarmos neste disco, um preparativo cru com cheiros a Sonic Youth e a Patti Smith. E a folk era já uma miragem (um desejo, mesmo que ainda inalcançável).
O desenho de mais um grande cromo feminino na caderneta do rock & roll ganha aqui importantes contornos.
3 músicas a ouvir: “Nude as the News”, “Bathysphere” e “Enough”.

PS – Lista pessoal elaborada em Abril e Maio de 2009.

domingo, 24 de maio de 2009

EXCITAÇÃO DA SEMANA: MANIC STREET PREACHERS, «JOURNAL FOR PLAGUE LOVERS»


Os Manic Street Preachers são uma banda de rock invulgar, não por causa de alguma extravagância experimentalista mas por serem radicalmente clássicos, resistentemente clássicos. E nos dias que correm, já ninguém o é. Ou pelo menos da forma persistente e crente com que os Manics se apresentam, não há quem. O mérito da sua peculiaridade não está tanto no querer mas sim no conseguir ser. O formato clássico rockeiro do grupo de James Dean Bradfield é uma obstinação, um triunfo que dura vinte anos, e não uma casmurrice.

Houvesse mais meia-dúzia de bandas com a política e, palavra importante, a qualidade dos Manics neste mundo, e o rock, tal e qual como o conhecíamos, poderia ter prolongado o seu prazo de validade até aos dias de hoje, com os dias gloriosos da rádio em polvorosa e massas de multidão a acorrerem aos estádios e aos grandes pavilhões para verem a sua banda eleita. Os Manic Street Preachers trabalham hoje como se esse mundo ainda existisse e é isso que lhes dá uma identidade única. E de certo modo conseguem esse "furo", só que agora esse mundo é uma recriação exclusiva dos Manics.

Chegados agora ao nono álbum após normais e anormais oscilações, o grupo recupera 13 dos últimos escritos do guitarrista desaparecido Richey Edwards para as 13 faixas do disco novo. É esse o factor noticioso nº1 de Journal for Plague Lovers, aquilo que se deve escrever numa sinopse. Mas com o tempo, e ultrapassados os aspectos factuais, o que vai sobrar de Journal for Plague Lovers vão ser as maravilhosas canções que ali constam, uma colectânea explosiva de grandes baladas e de rock inflamado - quase todos os temas bons candidatos a singles; conseguir-se-á destacar algum?, não consigo - que dão razão e saúde à crença tradicionalista da banda.

Conforme o álbum nos relembra, não há quase banda pop nenhuma que tenha no vocalista uma voz tão expansiva e calorosa como a de James Dean Bradfield. E deve ser difícil encontrar alguém que durante quase vinte anos mantenha viva na alma uma raiva punk tão arrebatadora quanto ele. Nicky Wire, que com Richey Edwards compunha a facção glam-poética da banda, aceitou prescindir do seu papel activo de letrista em favor da poesia inédita do seu velho amigo desaparecido que une todo álbum. Mas é o baterista Sean Moore que, no mínimo, merece tantos créditos em Journal for Plague Lovers quanto James, Nicky e Richey. Moore consegue desdobrar-se pelos bombos como se fosse um homem-polvo com oito membros; não oito tentáculos, mas quatro braços e quatro pernas herculeamente disponíveis para bombear batidas com as baquetas e os pedais. É, também, o trabalho notável do baterista que dá sentido ao que representa "Journal for Plague Lovers": um ponto intermédio entre a sonoridade dos primeiros álbuns (sobretudo os aguerridos Generation Terrorists e Holy Bible) e um tempo mais maduro e desapressado (reflectido em obras como This Is My Truth Tell Me Yours e Lifeblood).

Os Manic Street Preachers não têm pudores estéticos e por isso têm uma margem musical tão larga: ligam The Clash com Guns N' Roses (como acontece no álbum de estreia, Generation Terrorists), e ABBA com Joy Division (como se pode ouvir no maravilhoso e demasiado irreconhecido Lifeblood), com uma coesão só possível na banda galesa. Em Journal for Plague Lovers, a banda que venera o trabalho da pintora Jenny Saville (ao ponto de usar um dos seus trabalhos para capa do disco) é a mesma que vai em busca de um rock-FM orelhudo e fresco, sem nunca destoar. É também por isso que este é um álbum enorme. (Columbia, 2009)

Artigo publicado no site Cotonete.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

OBRIGADO, BÉNARD

A Cinemateca foi durante anos uma espécie de segunda casa para mim. Além dos ciclos que seguia apaixonadamente, era um sítio onde revia velhos amigos, onde fazia outros e onde, volta e meia, via aquela figura bonacheirona e sábia que dava pelo nome de Bénard da Costa, o guardião cultural da casa - que ia aparecendo.
Aquelas simpáticas Folhas da Cinemateca, que se liam após cada sessão, denunciavam assinatura por Bénard sempre que as mesmas tinham quatro páginas em vez das habituais duas. E não se conseguiam deitar fora de tão bem escritas – que. claro, nunca se conseguiam resumir ao cinema, havia ali uma graça luminosa com muito mais fontes (literatura, pintura, música clássica, religião, política). Tenho ali um dossier grosso que as guarda quase todas.
Numa deliciosa entrevista dada a Clara Ferreira Alves (como eram todas as que dava), Bénard da Costa confessava não poder acreditar na mortalidade da alma, não admitia que a riqueza humana de um indivíduo pudesse desaparecer só porque o seu corpo morria. Eu também não acredito. Esse reservatório não-táctil de impressões, intuições, gostos e conhecimentos que distinguia Bénard tem que ir para algum lado. Não vai assim com uma aragem.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

OS 100 MELHORES ÁLBUNS DOS ANOS 90

Em notas meramente pessoais e em mini-sinopses.
98º Mojave 3 – Ask Me Tomorrow (4AD, 1996)
Americana mais brit não deve haver. É uma memorável colecção de canções que confirma uma das grandes metamorfoses da década, dos furacões de guitarra eléctrica shoegazer dos Slowdive a um formato mais folk e cinematográfico da nova formação dos Mojave 3, como se Nick Drake tivesse ficado enamorado pela música dos Cowboy Junkies. Ask Me Tomorrow é o último grande momento de rédea vocal para Rachel Goswell, para pena das composições subsequentes de Neil Halstead.
3 músicas a ouvir: “Tomorrow’s Taken”, “Sarah”, Mercy”.

97º Neil Young – Dead Man (B.S.O.) (Warner, 1996)
Sem o seu habitual gangue de cavaleiros selvagens, Neil Young, da solidão do alto do seu monte americano, documentou algum soundcheck muito inspirado para o western mais atípico de todos, Dead Man de Jim Jarmusch. Não foi preciso nenhuma orquestra de cordas, o épico estava no espírito de Neil Young que numa sessão improvisada e arranhada à guitarra eléctrica e ao órgão, abanando-se numa sombra corcunda perante o grande ecrã, soltou garras. Bastou.

PS – Lista pessoal elaborada em Abril e Maio de 2009.

sábado, 16 de maio de 2009

EXCITAÇÃO DA SEMANA


A excitação desta semana reduz-se a um tema: a fabulosa versão de Beck ao original de Bob Dylan, Leopard-Skin Pill-Box Hat, para a compilação humanitária War Child Presents Heroes.
Pode ler aqui artigo desenvolvido para o Cotonete.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

RELÍQUIAS DOS ANOS 90

Em notas meramente pessoais e em mini-sinopses.

Angel Corpus Christi – White Courtesy Phone (Almo, 1995)
Dificilmente Lou Reed poderia imaginar uma descendente tão optimista quanto a acordeonista Angel Corpus Christi. Mas facilmente imaginamo-la a cantar de sorriso largo nos lábios. White Courtesy Phone é um dose cheia de bons espíritos, letras inteligentes e uma pop avant-garde invulgarmente prática para o ouvido. Desconfia-se que o mundo não teve barriga cheia para consumir este disco. Por onde andará agora Angel Corpus Christi a espalhar os seus bons ares?
3 músicas a ouvir: “John Cassavetes”, “Big Black Cloud” e “Fall”.

PS – Lista paralela aos 100 Melhores Álbuns dos Anos 90.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

OS 100 MELHORES ÁLBUNS DOS ANOS 90

Em notas meramente pessoais e em mini-sinopses.

100º Stereolab - Emperor Tomato Ketchup (Duophonic, 1996)
Sempre imaginei uma menina de tranças a saltar que nem uma tonta, no seu quarto, ao som de uma canção como "Emperor Tomato Ketchup", com o seu equipamento indie completo da Adidas, do casaquinho aos ténis – e o que não daria um bom anúncio para a marca das três riscas?, punha-me eu então a pensar.
Quem é que podia fazer na altura viagens espaciais de recortes tão desmesuradamente poppy, com moogs foliões à solta, mensagens esquerdistas por cima de títulos tão artisticamente técnicos e ainda com um delicioso sotaque afrancesado no comando de um coro de sereias feminino tão docilmente corporativista?... Os Stereolab caíam de lado nenhum, sobretudo em Emperor Tomato Ketchup.
3 músicas a ouvir: “Emperor Tomato Ketchup”, “Les Hyper-Sound” e “Motoroller Scalatron”.


99º Man or Astro-Man? – Experiment Zero (Touch and Go, 1996)
Filhos da ostentação espacial dos Devo, netos da coreografia surf-music de Dick Dale, sobrinhos da loucura psycho-billy dos Cramps, as suas naves fizeram maior estrondo aquando de Experiment Zero.
E não me venham com histórias, aquela locomoção tão frenética e maquinal daquelas quatro figuras de BD em palco não era nenhuma magia inter-galáctica, nem nenhum efeito especial devedor de algum filme sci-fi de série B, aquilo vinha do poder do rock & roll.
3 músicas a ouvir: “Anoxia”, “Evil Plans of Planet Spectra” e “9 Volt”.

PS – Lista pessoal elaborada em Abril e Maio de 2009.

OS 100 MELHORES ÁLBUNS DOS ANOS 90

Vou iniciar uma maratona que sabe-se lá quando vai acabar. Atrever-me-ei a enumerar os 100 melhores álbuns de cada uma das últimas décadas: 00s, 90s, 80s, 70s, 60s e ainda os 100 melhores discos, incluindo compilações, da música publicada até 1959. Terei que começar pela última década que acabou, a dos anos 90.
Serei fastidioso, lento, paradoxal, datado, subjectivo, mas também apaixonado. Através de uma contagem decrescente do 100º para o 1º, e de uma pasta não-secundária de Relíquias, deixarei escritas as minhas impressões através de meras notas pessoais e mini-sinopses.
Do combate entre a inclinação pessoal e a visão crítica mais fria de que se fazem estas listas, vou deixar vencer a primeira.

domingo, 10 de maio de 2009

OUTRAS EXCITAÇÕES

Seguem-se outras excitações, alinhadas por ordem decrescente de rendição...

Arbouretum, Song of the Pearl (Thrill Jockey, 2009)
Com uma proximidade cavernosa a contemporâneos como os indie rockers canadianos Black Mountain, os Arbouretum fazem do seu mais recente álbum uma obra de grunge em câmara lenta, como se a densidade grave de bandas como os Soungarden ou os Alice in Chains tivesse passado pelas mãos de uns mais harmoniosos e desacelerados Crosby, Stills, Nash & Young.

O líder deste quarteto de barbudos da montanha é o guitarrista Dave Heumann, equipado divinamente por um instrumento precioso nas cordas vocais que lhe dá aquela grandiosidade melódica que abençoa Eddie Vedder, dos Pearl Jam, ou Mark Lanegan, ex-Screaming Trees. A voz de Heumann é uma luz para o fascinante ponto de intercepção entre doom e americana dos Arbouretum.

Este álbum é um delicioso arrebatamento de ex-corredores de asfalto por um tractor.

Extracto parcial e editado de um artigo assinado para a secção Cotonete Play, sobre a canção “False Spring”, que pode ler aqui.

Bill Callahan, Sometimes I Wish We Were an Eagle (Drag City, 2009)
O "segundo álbum a solo" (sim, merece aspas), "Sometimes I Wish We Were an Eagle", tem como razão principal para não ser esquecido o reforço do arranjo de cordas que acentua o dramatismo bucólico da música de Bill Callahan.

Claro que Callahan continua um Nick Drake das pradarias americanas e um herdeiro legitimado da country contemplativa de Townes Van Zandt, carregando com aquele borburinho da batida dos Velvet Underground sempre algures. Mas agora ele é um compositor que merece a consideração de uma nova força sublime, mais numerosa: um combinado épico de violinos, violoncelos e trompas que enrolado no seu combo rock causa ainda mais estilhaços nas almas melómanas.

Como vai sendo tradição em Bill Callahan, "Sometimes I Wish We Were an Eagle" promove o que há de melhor e de mais imprevisível na música: os contrastes. Este é um álbum tão monocórdico e tão multi-direccional. Tão (ilusioramente) chato e tão charmoso. Tão repetitivo e tão criativo. Tão arrebatador e tão contido. Tudo, comoventemente, ao mesmo tempo.

Pode ler aqui artigo desenvolvido no Cotonete.

PJ Harvey & John Parish, A Woman A Man Walked By (Island, 2009)
Volta e meia, no meio dos seus trajectos individuais entre a agitação citadina das grandes metrópoles ocidentais e a calma do mar inglês de Dorset (do sudoeste da ilha), PJ Harvey regressa ao seu porto de abrigo: o amigo e parceiro musical de há muito John Parish. Como se procurasse um conselho, um momento de meditação, junto de alguém que tão bem a conhece.

Parish, como o amigo confidente, e sempre solicito, diz-lhe então o que pensa. Através de pequenas notas (musicais). Retoma-se assim, 13 anos depois, o método de outro álbum, "Dance Hall at Louse Point", que os uniu em co-autoria: John escreve as pautas, Polly Jean trata das letras; John é o músico, Polly a intérprete.

Mas "Dance Hall at Louse Point" e "A Woman A Man Walked By" são álbuns muito diferentes. O primeiro é uma linha contínua que faz de cada faixa uma peça ao serviço de um puzzle. O segundo parece um vôo picado ao passado de PJ Harvey, sobretudo aos álbuns que escaparam às mãos de John Parish, como se o músico lhe quisesse segredar dicas do que a cantora devia ter feito.

John Parish é o ponto de apoio, mas a estrela, a fogosa, é PJ Harvey. Quando as composições são da cantora, têm um brilho desmedido. Nas mãos de John Parish, as músicas têm uma qualidade um bocadinho mais normal. Porém, que fique claro, "A Woman A Man Walked By" tem substância quanto baste para convencer qualquer fã de PJ Harvey. A cantora trata-se bem.

Pode ler aqui artigo desenvolvido no Cotonete.

sábado, 9 de maio de 2009

EXCITAÇÃO DA SEMANA: OQUESTRADA, «TASCA BEAT: SONHO PORTUGUÊS»


Com sete anos e um difícil EP de existência, lá assentaram arraiais num estúdio para gravar o seu primeiro longo, "Tasca Beat: Sonho Português". Tal como os Deolinda, desdramatizam o peso melancólico da música portuguesa, despindo o fado das formalidades de bons fatos e democratizando-o a gente com outra formação. Em 14 músicas de folia pop mestiça, os OqueStrada conseguem ser uns Fairground Attraction à portuguesa e uns Mler Ife Dada mais vadios.

São até mais plurilingues que qualquer Papa (usam português, crioulo, castelhano, francês, inglês), abrem ares a trompetes de alguma companhia em algazarra, e a vocalista Miranda ainda arranja tempo para cantarolar um esboço de 'Dancing with Myself' de Billy Idol. Fica tudo bem nesta alegre misturada.

A própria instrumentação é o reflexo de uma rebeldia autónoma. João Lima, o homem da guitarra portuguesa, numa boa atitude taberneira, é pessoa para fazer percussão com a cadeira e um copo. E o bricoleiro Pablo inventou a contra-bacia, uma espécie de contrabaixo comprado na loja dos trezentos, constituído por um balde, uma corda e um cabo de vassoura.

Esta música bairrista almadense, de pop que recria os tempos do namoro à janela, deu-nos aquele que é até ao momento o melhor álbum nacional do ano. (2009)

Pode ler aqui artigo desenvolvido no site Cotonete.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

DVDTECA: ARCADE FIRE, «MIROIR NOIR»

Quando um DVD de música é bom demais, a sua autoria não se pode restringir aos artistas/sujeitos do objecto. E quando assim é, o mentor por trás das câmaras merece a divisão dos louros na lombada do produto. É o caso do fascinante documentário de 70 minutos "Miroir Noir". O DVD é sobre os Arcade Fire mas não é só dos Arcade Fire. É também do seu realizador, Vincent Morisset.

Se há banda visualmente interessante que merecia ter DVDgrafia, já se sabia, ela chamava-se Arcade Fire. A forma individual como cada um dos sete membros da banda se expressa em palco, contribuindo para a ribalta não se limitar ao protagonismo do líder (no caso, Win Butler), é matéria fascinante para qualquer realizador. O curioso e o invulgar desta banda é ver que cada um desses contributos, ao seu estilo, se dirige para uma coesão militarizada que recruta, muito voluntariamente, cada membro do seu público para o acto épico da banda. Não são só os sete ou oito músicos em palco a cantar em uníssono; os coros dos Arcade Fire estão numerados segundo a lotação do recinto onde tocam.

Mesmo se se usasse um método quadrado de se filmar apenas o que se passa em palco, os resultados finais nunca poderiam sê-lo porque a banda é só por si um caso de estudo e de catarse. Porém, e como seria de esperar, Vincent Morisset e os Arcade Fire quiseram elevar a fasquia e procuraram um ângulo completamente diferente para Miroir Noir, bem mais exigente.

O documentário é um medley de mais de uma hora, de recortes, que circula à volta da música dos Arcade Fire, em especial de todo o álbum "Neon Bible". O DVD é um carrossel em rotação contínua que apanha bocados soltos das 11 músicas do segundo álbum da banda de Montreal nas mais variadas situações: a gravação da vocalização de Win Butler no exterior da igreja que os Arcade Fire compraram ('Keep the Car Running'); 'Ocean of Noise' cantado por Win Butler e a sua mulher Régine Chassagne numa suíte do hotel com panorâmica para uma cidade estrelada por milhares de luzes; 'Neon Bible' tocado num elevador por todos os apertadinhos músicos do grupo, com Richard Reed Parry a fazer percussão com o rasganço de uma revista; ou o final arrebatador de 'No Cars Go' num coliseu qualquer onde apetecia estar. A multiplicação de cenas insólitas, que estimulam os sentidos todos e um mano-a-mano entre imagens e sons, faz de "Miroir Noir" a mais bela ode a um álbum que um filme já fez.

Mas despreocupem-se os fãs mais acérrimos do álbum de estreia "Funeral", o idílio de "Miroir Noir" também passa vista a alguma da colheita dessa obra-prima do indie-rock (como 'Haiti', 'Power Out' ou 'Rebellion (Lies)', e não só ('Cold Wind', composto para a série de TV "Sete Palmos de Terra", sonoriza uma das travessias de asfalto do filme).

Há momentos em que desejamos não ouvir um som tão abafado naquela cena; em que rogamos pragas contra aquele corte abrupto da nossa parte preferida daquela música; ou que lamentamos não ver melhor determinado performer numa certa interpretação ao vivo. São pequenas contrariedades de uma opção visual mais oblíqua que nos dá o essencial com muito mais clareza: as vibrações enérgicas da banda e a força nuclear do harmonioso casal Win Butler & Régine Chassagne em todas as decisões dos Arcade Fire.

"Miroir Noir" é um deslumbramento sonoro e visual que dá a Vincent Morisset aval de cineasta. E que eterniza uma fase recente de hiper-criatividade da banda, que se testa a si mesma com interpretações nos mais variados contextos (da rua ao elevador, da arena de uma sala à capela). Grandioso.

Artigo publicado no site Cotonete.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

OUTRAS EXCITAÇÕES

Outras excitações, muitas, acumularam-se ao longo de semanas. Seguem apenas algumas, dispostas por ordem decrescente de apreciação...
Leonard Cohen, Live in London (Columbia, 2009)
Leonard Cohen não é só a estrela que merece imediata veneração. É também o velhinho timoneiro bonacheirão que democratiza atenções para com os seus nove companheiros de palco. É o cavalheiro que nunca se sente demasiado repetitivo quando louva pela enésima vez cada músico seu e imaginamo-lo a fazê-lo entendendo o seu chapéu na direcção do elogiado (assim o lembramos). E que por isso nunca nos cansa.

"Live in London" é dos raros discos que pode ter 26 músicas e mais de duas horas sem ser fastidioso.

Pode ler aqui artigo desenvolvido no Cotonete.
Grand Duchy, Petit Fours (Cooking Vinyl, 2009)
Comprar um disco de Black Francis (ou de Frank Black) da sua vida pós-Pixies tornou-se num acto imprevisível, de sorte, como se fosse um jogo de bingo. Tanto pode sair um disco genial, interessante, mediano ou um simples desastre - Black fez de tudo isso. Tanto pode ser uma obra de punk-rock, de country, de rock FM ou de soul à Phil Spector - Black também fez de tudo isso.

O que Black ainda não tinha feito era ligar o som dos Pixies com o da vanguarda urbano-depressiva britânica (que vai de Durutti Column a Psychedelic Furs) que criou culto na primeira metade dos anos 80. A novidade, o sumário em 37 minutos do que foi em toda a sua extensão essa década, está inscrita no álbum de estreia do seu novo projecto, Grand Duchy, que o liga à sua esposa Violet Clarke.
Pode ler aqui artigo desenvolvido no site Cotonete.
Neil Young, Fork in the Road (Reprise, 2009)
O rock de "Fork in the Road" é turbulento, desafiador, aventureiro. Tocado em modo ziguezagueante e repetitivo, ignorando parâmetros, quaisquer que eles sejam. Por vezes, é uma jam. Ou um cruzamento entre rock, country e blues, mas numa circulação em rotunda multiplicada por várias voltas. Noutras ocasiões, é uma rispidez punk à velocidade de um carro de corrida americano. Tudo com um estilo antigo.

A agigantar a espirirualidade da armada eléctrica estão os inimitáveis coros que nas músicas de Neil Young parecem polifonias, preciosamente cristalinos, que buscam os agudos da criança que há em cada músico. Como momentos insólitos de relaxamento à austeridade rockeira, figuram apenas 'Off the Road', perfumada pela melancolia de uma condução solitária noite dentro, e a desacelaradíssima 'Light a Candle'.

"Fork in the Road" pode ser uma obra um bocadinho menor do artista. Mas tem sabedoria e liberdade. E tem-no de forma eloquente.

Pode ler aqui artigo desenvolvido no site de música Cotonete.

domingo, 3 de maio de 2009

EXCITAÇÃO DA SEMANA: BOB DYLAN, «TOGETHER THROUGH LIFE»


"Like a rolling stone", rola, rola sem parar a música actual de Bob Dylan. Qual Eureka num banho matinal, caiu-lhe a lotaria na forma de ideia luminosa nalgum dia especial de meados dos anos 90. E desde então, tem-lhe bastado manter o modus operandi iniciado no genial álbum de 1997, "Time Out of Mind" (para alguns, incluindo este escriba, a obra-prima de Dylan). Os álbuns subsequentes - "Love and Theft" (de 2001), "Modern Times" (de 2006) e este "Together Through Life" (de 2009) - são outras maravilhas de uma América antiga reciclada.

Aprecia-se a música de hoje do renascido Bob Dylan como se degusta a dureza de um queijo curado na vez de um mais acessível e gelatinoso flamengo. É preciso um paladar adulto, demora tempo a chegar lá mas, depois, sente-se a superior diferença do sabor em relação à concorrência. A música de Dylan também tem essa maturação e essa diferença.

Ouvir Bod Dylan e os seus fiéis eleitos em "Together Through Life" leva-nos àquela banda hispânica, supostamente mexicana, que faz a imagem do contraverso do disco. Há ali qualquer coisa mais explícita de banda de tasca de província que se sente por parte dos actuais apaniguados do autor de 'The Times They Are a-Changin'. Ouve-se um som mais cheio do acordeão (novidade introduzida pelas mãos do novo recruta David Hidalgo dos Los Lobos) e um dedilhar virtuoso de uma guitarra acústica que parece vindo das mãos ciganas de algum Django Reinhardt.

A este som de terra mais moreno junte-se o familiar caldeirão de Bob Dylan, de regresso às origens da sua América rural Natal, sugando as raízes da folk, dos blues e do rock & roll antes dos seus ramos genealógicos terem desabrochado. Os parâmetros desta reciclagem de Bob Dylan & co. tem uma validade elástica com garantia de enquadramento para qualquer uma das últimas seis décadas. E que grande máquina do tempo inventou Dylan.

No meio daquele estilo campónio e eléctrico pós-Edison, há ali também qualquer coisa de rebeldia surrealista e non-sense, como se fosse uma banda de Captain Beefheart, mas a um ritmo moderado pela veterania de Bob Dylan, com aquela voz cada vez mais bela e carismática de velhinho.

Bob Dylan libertou-se da sofisticação urbana de Greenwich Village, em Nova Iorque - onde se fez homem - e do compromisso em criar grandes melodias empáticas que lhe pesou sobre os ombros durante os anos 60. Mas o estatuto que lhe permite presentemente esses caprichos não é só musical, é também musicado e ouve-se em todo o álbum "Together Through Life". Bob Dylan está num plano teórico e filosófico superior, que sabiamente PRATICA com a sua super-banda, num modo transgressor que é luxuosamente repetitivo ao longo de cada uma das 10 músicas do longo.

Conciliando um processo profundamente racional/científico com um gozo tremendo em tocar, Dylan volta a dar ao mundo um álbum que não confunde consciência histórica com nostalgia. Tal com o som billy redondo de "Together Through Life", também Dylan não pára em tempo nenhum. (Columbia, 2009)



Artigo publicado no site Cotonete.