domingo, 30 de agosto de 2009

SEUN KUTI, ONTEM NO CCB

O groove teve sempre a prioridade, deixando tudo para trás: a melodia, a convenção ocidental de canção e até o protagonismo da estrela da noite, Seun Kuti, que muitas vezes saía da frente do palco. A música de Seun Kuti & Egypt 80 era de uma química que funcionava por várias camadas: as vocalizações de Seun e as respostas em coro uníssono de toda a banda, as batidas a partir de vários pontos do palco, os animados sopros de trompete e saxofones, as guitarrinhas repetitivas, as frenéticas dançarinas. Era uma festa para os ouvidos e para os olhos.

O afrobeat que passou esta noite pelo CCB é o funk antes dele ter nascido, apanhado ainda na barriga maternal que é África. Ter visto ao vivo Seun Kuti foi como ter assistido à ecografia de grande parte da música americana que hoje ouvimos.

Pode ler artigo desenvolvido no Cotonete.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

EXCITAÇÃO DA QUINZENA: MALTA DO FOGO


Fire on Fire, The Orchard (Young God, 2008)
Forest Fire, Survival (Broken Sound, 2009)

A música acaba de reescrever a sua versão do "Fahrenheit 451". Desta vez, os firemen passaram para o lado dos bons. Dos mesmo bons. Em vez de queimarem livros (como na obra literária de Ray Bradbury ou no filme de François Truffaut), dão-nos discos (mesmo muito bons). O fogo passou a uma metáfora inofensiva, simpática, lúdica até... Vá, não nos percamos em rodriguinhos, é um escaldão para a nossa alma, uma brasa!

E quem são estes novos beneméritos? Chamam-se Forest Fire e Fire on Fire (na foto acima) e vêm quase ao mesmo tempo para as lojas europeias, com os seus álbuns de estreia "Survival" e "The Orchard", respectivamente. Têm fogo no nome e nas mãos. Como não são egoistas (isto é, como publicam discos), dão-nos a conhecer esta efusiva piromania folk, tão americana. A música é de província, mas também muito pouco provinciana.

Concentremo-nos primeiro num dos tomos desta revisão musical ao "Fahrenheit", o belíssimo álbum dos Fire on Fire. Os cinco músicos (quatro homens e uma mulher) que o compõem vivem juntos em comunidade. Estão à margem das grandes fontes de conhecimento da internet. Não têm direito a menção no Wikipedia e são ostracizados no YouTube. Mas têm uma coisa muito mais importante: a benção de Michael Gira (ex-Swans), que co-produziu e publicou (através da sua editora, a Young God Records) este álbum, "The Orchard".

O multi-instrumentismo dos Fire on Fire merece um levantamento exaustivo do seu património, qual trabalho de avaliador. Usam os americanos harmónio (primo do órgão, com um som parecido ao do acordeão), banjo e guitarra metálica dobro; os orientais oud (parente árabe do alaúde em forma de pêra), nay (flauta oriental da cultura persa) e darbuka (a alma-gémea asiática do djembé); a balcânica tamboritza (outro tipo de alaúde); e o hippie djembé. Com toda aquela tralha, os Fire on Fire ainda arranjam espaço para os bocadinho mais normais acordeão, contrabaixo e pandeireta; e para a ainda mais normal guitarra.

Apesar desta expansão mundial instrumentista, a execução é 100% americana. Trata-se de uma felicidade exótica à Beirut mas sem passaporte, numa música muito viajada mas pela América dentro e não pelos Balcãs e vizinhanças. Os Fire on Fire cheiram a terra como os Felice Brothers. As raizes de bluegrass, os banjos às pazadas e aquelas vozes femininas à camponesa situam-nos também as Be Good Tanyas naquele horizonte largo de campos de trigo. Em suma, "The Orchard" soa à versão americana autêntica da blues-folk dos ingleses Gomez.

Os Fire on Fire sabem fazer a festa, têm aquela graça que nos embevece, um espírito destemido e grandes canções. Para o 2009 europeu, "The Orchard" é incontornável.

Entretanto, se estiver para se casar ou se tiver um(a) amigo(a) que esteja para dar o nó, e caso pertença a essa legião estimável dos simpatizantes do freak-folk, aconselhamo-lhe vivamente os Fire on Fire para banda de casamento. Fazem versões catitas e acústicas de clássicos rock e hard-rock (como os AC/DC). Basta ver uma das imagens disponíveis no seu MySpace. Quando for a minha vez, estou a pensar contratá-los.

Segundo tomo.
Parece perseguição geográfica: os Forest Fire são de Brooklyn, Nova Iorque. O espantoso álbum de estreia deste quarteto, "Survival" (já do ano passado), chega este mês à Europa e provocou já um deleite a este humilde escriba ao vosso serviço que jura a pés juntos (sem entradas maldosas sobre o adversário merecedoras do cartão vermelho) que nada tem que ver com dicas geográficas. Após consumação do entusiasmo pelo dito (e venerado) disco, este humilde escriba ao vosso serviço penetrou mais tarde no MySpace do grupo e quando viu a origem do grupo não quis acreditar. Que tamanho terá afinal Brooklyn, o de um continente? Será um borough nova-iorquino que em vez de ser 95% composto por médicos, professores e advogados, é habitado 99% por músicos, músicos e músicos? Há alguma isenção de pagamento de rendas aos que por lá tocam? Fala-se do hype como um malvado. Talvez seja. Mas se o hype está com Brooklyn, eu estou com o hype. Pelo menos em Brooklyn.

Que os Forest Fire são de Brooklyn, é 50% verdade. A outra metade (os outros dois) é da costa pacífico, dando aos Forest Fire uma imagem de funcionalidade por correspondência, numa dependência de comunicações semelhante à vivida pelos Pavement (que mais parecia uma cadeia americana de músicos espalhados do que uma banda).

Sobre aquilo que realmente interessa, a música, pode-se dizer que os Forest Fire são uma versão mais bucólica dos Walkmen - sim, é isso mesmo, estão mesmo muito próximos de Bob Dylan. Quando os imaginamos nas pradarias, têm a exaltação dos Arcade Fire e o grau aluado dos Violent Femmes. Mas quando nos é sugerida a garagem, vem ao de cima a faceta colérica dos Velvet Underground, com a chiadeira do violino a lembrar o som brutalmente enlouquecido da viola de arco de John Cale.

Trata-se de um álbum que é um brilhante revisionismo da folk através das melhores contramãos às convenções.

Versão editada de dois textos publicados no Cotonete, nas secções Novos Discos e Cotonete Play.

sábado, 22 de agosto de 2009

NO MEU CINEMA: «AS PRAIAS DE AGNÈS», de AGNÈS VARDA


Deste narcisismo, tem que se gostar. Aquilo não é só amor próprio, é amor ao cinema.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

OS 100 MELHORES ÁLBUNS DOS ANOS 90

Vai assim a contagem...

91º Pavement – Wowee Zowee (1995)
92º U2 – Zooropa (1993)
93º Flaming Lips – Soft Bulletin (1999)
94º Tom Waits – Mule Variations (1999)
95º Cat Power – What Would the Community Think (1996)
96º Super Furry Animals – Guerrilla (1999)
97º Neil Young – Dead Man (B.S.O.) (1996)
98º Mojave 3 – Ask Me Tomorrow (1996)
99º Man or Astro-Man? – Experiment Zero (1996)
100º Stereolab - Emperor Tomato Ketchup (1996)

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

A PROVOCAÇÃO DOS MY BLOODY VALENTINE

Os My Bloody Valentine deram no Rock One o concerto certo no local errado, no festival errado, no tempo errado.
No local errado? Uma actuação que obedece a um padrão intimista pensado para multidões pequenas, suportado por projecções de imagens psicadélicas e hipnótico-minimais num vasto ecrã atrás da banda, pede uma sala do género da do Grande Auditório da Gulbenkian? Será o recinto ao ar livre do Autódromo do Algarve parecido com o que aqui se pede? Será preciso dizer mais?
No festival errado? Os My Bloody Valentine são uma banda anti-concerto, anti-presença e, evidentemente, anti-festival. A postura dos guitarristas Kevin Shields (o geniozinho) e de Bilinda Butcher (que parece ter o dom de juventude eterna) é provocantemente estática e a atitude shoegazer é de um autismo psicadélico, imune aos insultos futebolísticos da arraia bárbara que se fizeram sentir. Quem os encaixotou num dia de punk adolescente, ou tem a faculdade de uma imaginação absurda, ou improvisou aos papéis uma solução de recurso acrítico (a segunda solução é de maior probabilidade).
No tempo errado? Falta um álbum novo a dar saúde artística a uma banda que, como bem provou nos arredores de Portimão, é absolutamente íntegra – não cede perante ambiente hostil... O maldito terceiro álbum já demora a sair há mais de 15 anos. Assentará bem o fardo de banda nostálgica aos My Bloody Valentine?
O resto foi um doce ataque sónico. Um paradoxo de ternura idílica com agressividade de ruído. Bem-ditos tampões de espuma! Por momentos, parecia que estava no local certo, a ver uma corrida automobilística, bem vacinado contra o barulho dos motores.