domingo, 3 de maio de 2009

EXCITAÇÃO DA SEMANA: BOB DYLAN, «TOGETHER THROUGH LIFE»


"Like a rolling stone", rola, rola sem parar a música actual de Bob Dylan. Qual Eureka num banho matinal, caiu-lhe a lotaria na forma de ideia luminosa nalgum dia especial de meados dos anos 90. E desde então, tem-lhe bastado manter o modus operandi iniciado no genial álbum de 1997, "Time Out of Mind" (para alguns, incluindo este escriba, a obra-prima de Dylan). Os álbuns subsequentes - "Love and Theft" (de 2001), "Modern Times" (de 2006) e este "Together Through Life" (de 2009) - são outras maravilhas de uma América antiga reciclada.

Aprecia-se a música de hoje do renascido Bob Dylan como se degusta a dureza de um queijo curado na vez de um mais acessível e gelatinoso flamengo. É preciso um paladar adulto, demora tempo a chegar lá mas, depois, sente-se a superior diferença do sabor em relação à concorrência. A música de Dylan também tem essa maturação e essa diferença.

Ouvir Bod Dylan e os seus fiéis eleitos em "Together Through Life" leva-nos àquela banda hispânica, supostamente mexicana, que faz a imagem do contraverso do disco. Há ali qualquer coisa mais explícita de banda de tasca de província que se sente por parte dos actuais apaniguados do autor de 'The Times They Are a-Changin'. Ouve-se um som mais cheio do acordeão (novidade introduzida pelas mãos do novo recruta David Hidalgo dos Los Lobos) e um dedilhar virtuoso de uma guitarra acústica que parece vindo das mãos ciganas de algum Django Reinhardt.

A este som de terra mais moreno junte-se o familiar caldeirão de Bob Dylan, de regresso às origens da sua América rural Natal, sugando as raízes da folk, dos blues e do rock & roll antes dos seus ramos genealógicos terem desabrochado. Os parâmetros desta reciclagem de Bob Dylan & co. tem uma validade elástica com garantia de enquadramento para qualquer uma das últimas seis décadas. E que grande máquina do tempo inventou Dylan.

No meio daquele estilo campónio e eléctrico pós-Edison, há ali também qualquer coisa de rebeldia surrealista e non-sense, como se fosse uma banda de Captain Beefheart, mas a um ritmo moderado pela veterania de Bob Dylan, com aquela voz cada vez mais bela e carismática de velhinho.

Bob Dylan libertou-se da sofisticação urbana de Greenwich Village, em Nova Iorque - onde se fez homem - e do compromisso em criar grandes melodias empáticas que lhe pesou sobre os ombros durante os anos 60. Mas o estatuto que lhe permite presentemente esses caprichos não é só musical, é também musicado e ouve-se em todo o álbum "Together Through Life". Bob Dylan está num plano teórico e filosófico superior, que sabiamente PRATICA com a sua super-banda, num modo transgressor que é luxuosamente repetitivo ao longo de cada uma das 10 músicas do longo.

Conciliando um processo profundamente racional/científico com um gozo tremendo em tocar, Dylan volta a dar ao mundo um álbum que não confunde consciência histórica com nostalgia. Tal com o som billy redondo de "Together Through Life", também Dylan não pára em tempo nenhum. (Columbia, 2009)



Artigo publicado no site Cotonete.

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