sábado, 14 de março de 2009

BRASIL FATAL: CHICO SCIENCE (1966-1997)


A INFLUÊNCIA

Durante a sua curta exposição pública, Chico Science conseguiu ser o músico brasileiro mais revolucionário dos anos 90. Com o apoio da sua banda, a Nação Zumbi, Chico Science foi a maior lenda de um género novo: o mangue beat, um híbrido muito brasileiro e contemporâneo dos ritmos nordestinos do coco de roda e do maracatu com estilos mais globalizados como o rock, o funk, a electrónica e o hip hop.

Baptizado como Francisco de Assis França, ficou com o nome de Chico Science por causa de alcunhas locais como “cientista dos ritmos” - mimo dos seus companheiros de rua da sua cidade-natal de Olinda, do estado nordestino do Pernambuco.

Chico Science tinha mente politizada de contra-poder e curiosidade de historiador. Era o antropólogo brasileiro no músico, o musicólogo no artista. Defensor da cultura de miscigenação e da emancipação dos negros no Brasil, Chico Science passou muito bem da teoria à prática dando voz de rapper àquele choque de percussão pernambucana do maracatu com o groove funk de guitarras ametaladas. Como se Gilberto Gil, um grupo folclórico de maracatu e os Red Hot Chili Peppers de repente se cruzassem na cabeça de Chico Science. Eis o mangue beat no seu esplendor, como se fosse um derivado mulato e cosmopolita do afrobeat mitificado por Fela Kuti.

Em vida, Chico Science & Nação Zumbi lançaram dois álbuns "Da Lama ao Caos" e o mais electrónico "Afrociberdelia" que, além dos efeitos internos no Brasil, garantiram uma projecção internacional interessante. Science e a sua banda tiveram ainda tempo para algumas digressões internacionais: passaram pela Europa, e actuaram num Central Park bem composto, em Nova Iorque.

Na memória, fica a imagem de um homem enérgico em palco, com aquele ar folião de roupas carnavalescas, óculos escuros e panamá, que mexeu com a música brasileira.

A MORTE

Em 1997, Chico Science estava em grande. A ideia seguinte que tinha em mente era a de tentar buscar referências eruditas. Mas, no dia 2 de Fevereiro, quando conduzia o seu carro na estrada que ligava as cidades do Recife com Olinda, embate num poste do lado oposto ao do volante. Chico Science, que ia sozinho na viatura, morre no acidente.

O Brasil musical mais atento às vanguardas chorou a sua morte. O choque ultrapassou fronteiras: em Portugal, o radialista Henrique Amaro (da estação pública Antena 3), mais atento às novas tendências da música brasileira e admirador de Chico Science, não se cansou de destacar a tragédia desta perca. Ninguém podia estar preparado para uma obra tão abruptamente interrompida, com tantas ideias que ficaram por dar.
Dez anos depois do acidente, a família recebeu da Fiat uma indemnização, numa soma record nacional para situações de danos físicos em automóveis, num valor que não é público, pelo facto do cinto do Uno Mille que Chico Science conduzia ter rompido no momento do embate. Metade do dinheiro foi para a filha de 16 anos (em 2007), Tainã, outra metade para os pais.

A Nação Zumbi continuou e Jorge dü Peixe assumiu as vocalizações principais. O grupo chegou a actuar em Portugal, num festival na Praça Sony, em Lisboa, no ano de 2000.

Em homenagem a Chico Science, foi instalada uma escultura de um caranguejo (símbolo do riquíssimo ecossistema tropical dos manguezais, em Pernambuco) nas margens do rio da cidade de Recife, que ficaria conhecida como Manguetown.

Texto que faz parte do especial Brasil Fatal, publicado no Cotonete.

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