sábado, 28 de fevereiro de 2009

EXCITAÇÃO DA SEMANA: AMADOU & MARIAM, «WELCOME TO MALI»


O célebre casal de cegos Amadou & Mariam vem da África Ocidental mas representa uma África ocidentalizada. Oriundos do musical Mali, cresceram no circuito africano, trabalhando futuras sortes sem custo de expectativas algumas. Quando um estranho fenómeno de sucesso em França foi ao seu encontro nos anos 80, aquilo que lhes pareceu um acaso, tinha outro nome: talento, a rodos. Mas foi sendo sempre preciso dizer-lhes isso.

Depois foram amadurecendo de praça em praça, incluindo por paragens lusas, num mundo que já parecia perfeito, de música nova ligada às raízes a que designamos como world music. Amadou & Mariam encantavam tudo e todos. Incluindo Manu Chao que ao produzir o álbum da dupla maliana Dimanche à Bamako em 2005, lhes abriu outra porta, para um mundo pop-rock tão grande que não cabia lá só o paraíso. As repercussões tornaram-se incontroláveis e nem a participação na canção oficial do Campeonanto do Mundo de Futebol de 2006 lhes escapou.

Outro dos caprichos da sua fama por que não se matam é ter Damon Albarn a seus pés, mas aceitam-no, e de muito bom grado. Os Amadou & Mariam são levados pelas boas intenções do homem dos Blur para o projecto ao vivo African Express. E agora têm Albarn como produtor de três das 15 faixas do seu último álbum, o belíssimo Welcome to Mali.

No disco, reconhecemos imediatamente aos Amadou & Mariam uma simpatia melódica ao gosto ocidental, com uma capacidade de expansão nos mesmos modos meigos dos conseguidos pelo senegalês Youssou N' Dour, com os tais condimentos africanos a diferenciarem a receita. Mas na faixa de abertura, 'Sabali', onde Damon Albarn mais intervém, o ocidentalismo da dupla chega ao cúmulo de se perfumar com os cheiros da new wave francesa; a canção poderia ter sido feita por um projecto electro-pop gaulês dos anos 80 de disposição mais étnica, ou até pelos Air (imagine-se).

Mariam é o membro do casal que se desvia menos do seu continente de origem, com o seu canto harmonioso de sorriso africano colado ao rosto, cantando num dialecto, bambara, que já vem com música na gramática.

Já Amadou e a sua guitarra eléctrica dirigem-se mais aos fãs de blues-rock que descobriram em África uma nova fonte, de ares mais desérticos, que pode não dar água mas que produz sons deslumbrantes em série. Amadou faz-lhes a vontade com picados africaníssimos à Ali Farka Touré e uma rebeldia guerrilha a fazer lembrar os tuaregues Tinariwen.

Por vezes, o híbrido afro-ocidental de Amadou & Mariam é de tal forma grande que chegam a parecer uma convenção mundial de vários géneros: de indie rock, canto africano, blues à Mali, alguma boémia afro-beat e música contemporânea nos enfeites.

Há pequenas contrariedades no disco que o estrelato da dupla acarreta. O esforço poliglota em inglês é uma pequena concessão que empata a empatia (o uso do francês sempre tem um resultado mais poético e natural). E as participações do world rapper K'naan e do panfletário Keziah Jones são notas-de-rodapé que não se conseguem colar ao texto principal.

De resto, ouvimos os Amadou & Mariam num ponto africanamente ingénuo, de imperfeição perfeita, jamais caindo numa sofisticação mortífera. Quase perfeito. (Because Music, 2008)

Artigo publicado no Cotonete.

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