Jacinto Lucas Pires descobriu mais uma cruzada para a sua maleável vida: a aventura numa banda de indie-rock à portuguesa, ao lado do seu amigo pintor Tomás Cunha Ferreira, a que chamaram Os Quais - ou uma tradução catita para The Who.
Já actuaram no Cabaret Maxime há uns meses e agora têm um disco, um Meio Disco - ou uma tradução catita para a gélida sigla EP (extended play). O amigo Tomás é o bricolageiro das artes manuais, que dedilha tudo: da guitarra eléctrica ao violão, e também mexe na Bimby dos instrumentos, o milagreiro omnichord: uma aparelho electrónico que tanto pode fazer de harpa, como de piano ou de caixa de ritmos. Jacinto Lucas Pires é homem mais dado às letras e faz tudo para nos poupar à sua destreza manual: canta, faz coros e assobios, tudo menos coisas com mãos, que servem mais para cabular uns escritos giros.
Não têm o selo da FlorCaveira mas o gangue é o mesmo. A editora é o Amor Fúria, a Companhia de Discos do Campo Grande, aquela que está a cozinhar em lume brando o voo dos promissores Smix Smox Smux, banda de indie rock à minhota que aguarda consumo para mais tarde.
FlorCaveira e Amor Fúria interagem e confundem-se. E no Meio Disco, há propaganda em circuito interno - ou, numa visão menos comercial e mais católica, mimos de amigos - como os Pontos Negros que rolam no I-Pod de Lucas Pires, citando a letra da canção A Rapariga da Caixa; ou a historieta de Um Bife no Chiado que parece uma caricatura do gangue hippie-cool FlorCaveira/Amor Fúria: os "pés descalços", "ver teatro", "fumar um cigarro", coisas banais que fazem deles "uma bando à parte no Chiado".
Com tiques de sofisticação intelectual, desculpas de passatempo e brincadeiras de mero aventureirismo, a meia-dose dos Quais tem até graça. 'Recado' e 'Mondriânica' formam uma interessante conferência luso-brasileira, de bossanova servido com garrafão de vinho tinto bem português e um toque cosmopolita de rapazinhos de Bairro Alto, inventando um aperto de mão que Fausto e João Gilberto ainda não deram.
Nas outras canções, criam a sua melodia portuguesinha e envergonhada, com batidinha à Strokes (e os Pontos Negros outra vez no I-Pod), descortinando os Quais uma qualquer Alfama em Nova Iorque.
Para o fim, o remate jazzístico em jeito de spoken word, 'sobre um improviso de John Coltrane', da faixa final, 'Caído no Ringue', a teatralizar um espalhanço que no disco é virtual. Meio Disco é, na verdade, uma boa declaração de boas-vindas ao ano musical nacional. Destes aventureirismos, estamos necessitados. (Amor Fúria, 2009)
Artigo publicado no Cotonete.
domingo, 18 de janeiro de 2009
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