sábado, 10 de janeiro de 2009
CONTRA-CORRENTE: ANIMAL COLLECTIVE, «MERRIWEATHER POST PAVILION»
É atribuída frequentemente à música uma funcionalidade médica e terapêutica. Escolhemos a dedo o produto que nos interessa mais e depois consumimo-lo para um prazer que chega a ser espiritual. Descontrai, faz sonhar e até intelectualiza.
Quando ocorre o efeito surpresa, a música atinge proporções vantajosas superiores, alterando-nos perspectivas e abrindo-nos horizontes. Em abono da verdade, os seus autores são, sempre, os experimentalistas.
Há depois os experimentalistas que o grande público elegeu (Beatles, Beach Boys, Pink Floyd), e aqueles que seguiram trilhos mais marginais (Velvet Underground, Pere Ubu ou Sonic Youth). Há os experimentalistas de corpo inteiro (como os seis nomes citados acima), e aqueles que omitem a última fase, a da concretização ou conclusão.
O novo álbum dos Animal Collective, Merriweather Post Pavilion, é uma prova eloquente de que o grupo norte-americano é de um experimentalismo do 2º nível, do inacabado.
Este álbum, mesmo que mais pop e menos étnico que a maioria dos anteriores oito, cumpre as razões que fazem distinguir os Animal Colective das outras bandas, pelo seu giratório de ideias, assentes numa estética electro-noise e neo-psicadélica e, acima de tudo, na interessante apropriação das novas tecnologias computadorizadas.
Merriweather Post Pavilion é um permanente ensaio, de bombardeamento de sons teclados e de harmonias vocais, composto por alguns momentos deslumbrantes e por fantasmas de grandes melodias. Trata-se de uma experiência etérea que não sai do laboratório (não quer sair ou não consegue, a ambiguidade fica do lado dos Animal Collective). Na perspectiva médica da música enquanto remédio para alguns males, Merriweather Post Pavilion é um químico farmacêutico ainda não digerível e provocador de exaustão.
A comparação dos Animal Collective com os Beach Boys é apropriada, pela produção em série de novas sensações pop. Só que os Beach Boys traduziam-nas num todo final sublime: aquilo que é para os Animal Collective uma miragem.
Em Merriweather Post Pavilion, a existência da grande canção é virtual, uma esperança. Há esboços e pedaços de melodias encantadores, mas não há o resto. Com os Beach Boys, a grande canção era real. A efervescência criativa de Brian Wilson sabia descobrir ao fundo uma serenidade em que pudesse assentar, o que não acontece na vertigem errante da banda liderada por Panda Bear e Avey Tare.
Merriweather Post Pavilion é um exercício de rascunho que tem os seus momentos. Chamá-lo de grande álbum ou elevar os Animal Collective ao estatuto de génios soa exagerado, sobretudo quando lhes falta o projecto final de grandes arquitectos. (Domino, 2009)
Artigo publicado no site Cotonete.
Etiquetas:
Animal Collective,
Contra-Corrente
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