quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

ELIS REGINA (1945-1982)


A INFLUÊNCIA

Para muitos, Elis Regina era a Voz do Brasil. Cantou as lágrimas e a dor do Brasil. Como mulher guerreira que era, não chorava. Mas fazia chorar.

Chamaram-lhe de Pimentinha, a amiga Rita Lee apelidava-lhe de Elis-cóptero, a história regista-a como a diva das divas do MPB (só Maria Bethânia se lhe comparava).

Cresceu de fenómeno televisivo do concorrido Festival de Música Popular Brasileira (exibido no canal TV Record), nos anos 60, para uma cantora imortalizada pelas interpretações de “Fascinação”, “Águas de Março” ou “O Bebado e A Equilibrista”, num reportório tão rico que deveria proibir apenas estes três destaques.
Atraiu os melhores compositores (António Carlos Jobim ou Edu Lobo) e as melhores composições, que Elis, generosa, retribuiu sempre com a magia da sua garra.

Politicamente incorrecta e sem papas na língua, foi uma combatente contra a ditadura militar que governava o Brasil, incluindo nas entrelinhas, fintando a censura com o sentimento das suas interpretações - a intuição do ouvinte completava a clandestina comunicação.

Vinte anos de carreira musical deram espaço para uma exposição internacional muito interessante. Actuou duas noites seguidas na sala mítica parisiense Olympia, em 1968 - algo até então inédito na música brasileira. Passou por grandes festivais de jazz de renome como o de Montreux. E esteve em Portugal, em 1978. Nas muitas entrevistas que dava à televisão, queixava-se frequentemente do seu 1,53m de altura. Mas em palco, a medição mentia escandalosamente. Não houve ninguém como Elis.

A MORTE

Elis Regina sempre atraiu as luzes da ribalta. Incluindo em Janeiro de 1982. Poucos dias antes da morte, a cantora apareceu no programa Jogo da Verdade, do canal TV Cultura, onde, sem temores e ao seu estilo, respondia em estúdio a todas as questões colocadas pelo moderador e por dois convidados.

Nessa altura, Elis Regina consumia pontualmente cocaína (um hábito no meio artístico), o que acontecia há um ano, desde que viajou para os Estados Unidos afim de acertar os pormenores de uma colaboração com o saxofonista norte-americano Wayne Shorter. O penúltimo namorado de Elis, o músico Guilherme Arantes, recordaria mais tarde que vira a cantora a snifar a perigosa e viciante droga no início de 1981, durante a breve relação.

No dia 18 de Janeiro de 1982, Elis Regina esteve, ao final da tarde, a socializar no seu apartamento de São Paulo com os músicos da sua banda e com o seu namorado de há seis meses, o advogado Samuel Mac Dowell, com quem a cantora procurava uma casa para viverem juntos. Segundo os testemunhos dos presentes, Elis bebeu nesse final de tarde vários copos de Cinzano e de uísque. Os músicos, entretanto, saem às 21 horas, e Elis Regina janta a sós com o seu companheiro. Às 23h30, Mac Dowell larga os aposentos da cantora. Elis fica sozinha para ouvir as gravações do seu próximo disco. Durante a madrugada, o advogado tenta em vão contactar telefonicamente Elis. Só à quinta tentativa, o consegue: a cantora explica-lhe que não ouviu o telefone por causa do volume alto da música. Mac Dowell não estranhou e achou a voz de Elis normal.

Dia seguinte, 19. Dia diferente. O namorado da cantora liga-lhe às 9h30 do seu escritório. O telefonema decorre normalmente. Até que, subitamente, Elis Regina começa a falar muito vagarosamente. Às tantas, pronuncia palavras indecifráveis. A voz Elis Regina afasta-se do telefone. De repente, o silêncio. Samuel Mac Dowell sai disparado do seu emprego e apanha um taxi até ao prédio de Elis. Para chegar ao quarto da cantora, o namorado tem que arrombar duas portas. Elis estava inanimada. Ao lado, estava um envelope vazio do tranquilizante Sonotrat. O stress de Mac Dowell teve como etapas nos minutos seguintes a ambulância que nunca mais chegava, as tentativas de reanimar Elis e o telefonema desesperado ao colega de trabalho mais próximo. Impaciente, Samuel Mac Dowell resolve chamar um táxi e levar Elis pelos braços, seguindo velozmente em direcção ao Hospital das Clínicas. O taxista era um emigrante português, de nome Gouveia, que só se apercebeu que o corpo inanimado que ia no banco de trás era o da cantora quando, mais tarde, ouviu no auto-rádio a triste notícia que chocaria o Brasil inteiro: “Elis Regina morreu”.

As várias autópsias confirmam a overdose de cocaína como causa principal da morte da artista. A droga terá sido ingerida oralmente, numa dose mortal. E a mistura com tranquilizantes e com álcool pode ter sido fatal.
O corpo esteve em câmara ardente no centro do palco do Teatro Bandeirantes, em São Paulo, onde Elis Regina brilhou em vida. As filas de milhares de pessoas para a verem tinham uma extensão absolutamente anormal. Dentro da sala, entoavam-se cânticos de temas popularizados por Elis. E até o Presidente de Estado João Figueiredo (responsável pela transição do país para a democracia) se comoveu publicamente, enviando um telegrama de condolências à família da cantora.

A cobertura televisiva do cortejo fúnebre de Elis Regina até ao Cemitério do Morumbi foi exaustiva, e incluiu filmagens de helicópetro. As rádios paulistas também não pouparam esforços.

Elis Regina morreu com 36 anos de idade, deixando órfãos três filhos de dois casamentos, um dos quais Maria Rita (que na altura contava apenas quatro primaveras), que tem hoje uma carreira internacional bastante reconhecida.

Artigo que faz parte do especial Brasil Fatal, publicado no Cotonete.

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