domingo, 13 de julho de 2008

OPTIMUS ALIVE!: O RESCALDO


Bob Dylan e Neil Young foram dois pesos que desequilibraram este festival para um balanço muito favorável. Não faltaram outros motivos de interesse mas que somados saldam-se em assuntos miúdos perante a demonstração do poder daquelas duas lendas americanas, felizmente, ainda vivas. Bem vivas.
Dylan foi um supra-sumo de um perfeccionismo estético: um caldo muito norte-americano de blues, country, rock & roll e folk; uma banda de outro mundo; um som óptimo e uma luz intimista; e uma saúde artística com marca contemporânea bem assinalada por aquela recriação radical de clássicos.
Se Dylan foi o racional genial que acertou nos sons e mediu em cheio os detalhes, Neil Young foi o aventureiro arrasador. A americanidade de Young não é filtrada por um trabalho de laboratório de Einstein como Dylan. Essa americanidade de Young foi parar a Algés em estado mais abrupto e deixou danos ainda mais visíveis. Com uma inocência mais exposta que se nota até nos próprios dados decorativos: as telas que assinalavam cada tema que se tocava ou aquele efeito especial manhoso de subir e descer um boneco de construção demasiado artesanal com um microfone montado. Uma pureza apaixonante: o roadie velhinho de bigode farto que vai dar uma mãozinha no banjo, a esposa de Young que canta nos coros. E um poder de risco que faz de Young uma simultaneidade explosiva de tradicionalista e de experimentalista (como um autêntico Eusébio que conseguia ser ao mesmo tempo um nº10 e um ponta-de-lança). Carrega os melhores fantasmas da folk americana quando canta ao órgão e sozinho um “Mother Earth” perfeito para uma lua que se enchia e enchia o céu. Mas que mostra também que passa por ele a semente de um no-wave, de uns Sonic Youth, de uns My Bloody Valentine, ou de um movimento como o grunge, ouvindo-o como suja aquela guitarra e a solta, deixando-a viva quando abandona o palco, num ritual feedbacker que os sónicos e os shoegazers se apropriaram.
Quando a rendição há muito tinha acontecido, surgiu o momento do festival: durante o encore, Young agarra no respeitoso “A Day in the Life” (só a maior e mais complexa composição dos Beatles) e faz a sua subida transcendente até à categoria de monstro sagrado a que pertence. Foi arrepiante.
Neil Young, em Madrid, numa versão de "A Day in the Life" um bocadinho menos forte que a sentida em Lisboa.

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